Maturação nada mais é que o tempo de espera necessário que garante as características sensoriais da carne, saindo assim do período em que é considerada “carne verde” e tornando-a apta ao consumo. Tal espera sempre acontece em ambiente e temperatura controlados. Historicamente, em terras gélidas, era tida como uma forma natural de conservação. “Nos países frios, as pessoas chegavam a manter pedaços de carne por até um ano sem acrescentar sal ou nenhum outro tipo de conservante, contando apenas com a baixa temperatura ambiente”, revela o chef Julien Mercier, entusiasta da maturação a seco, conhecida mundialmente como dry-age.
Com a evolução gastronômica, descobriu-se que, além de amaciar a carne, esse período a torna mais saborosa e suculenta. Como consta no livro Carne & Cia (Editora Senac):
“Maturação é um processo que consiste em manter a carne em temperaturas próximas a zero grau celsius (acima do ponto de congelamento, considerada resfriada) por um período variável de 8 a 12 dias ou mesmo por um tempo maior, sob temperaturas e umidades controladas, mantendo a atuação de enzimas naturais da carne, o que melhora maciez e favorece a formação de compostos responsáveis por um melhor flavor dos produtos.”
Ou seja, praticamente toda carne que se come hoje passou por algum nível de maturação para ser consumida. “Praticamente não se come carne verde mais, a maturação garante um produto melhor em sabor e textura”, explica o chef. Dentro desse contexto, mais uma vez, as técnicas evoluíram. Atualmente, sabe-se que alterando as variáveis na equaçãotempo x temperatura x ambiente, que envolvem a maturação, obtém-se produtos finais diferentes.
A VÁCUO
Dos métodos de maturação, o mais comum no Brasil hoje é o wet-age. Peças de carne são embaladas a vácuo e mantidas resfriadas por um período que pode variar entre 8 e 12 dias de acordo com o corte. Nesse método a carne conserva umidade com pouca perca de peso, mas agregando sabor e aroma. O vácuo também inibe o crescimento de bactérias aeróbias, uma vez que mantém um ambiente sem oxigênio. Nesse período, as enzimas dentro dos músculos vão quebrando as proteínas da carne e acentuando as caracetrísticas organolépticas.
Segundo anotações no livro Carne & Cia, durante esse processo a carne escurece um pouco e passa por uma fermentação láctica que produz odor forte. Este desaparece em contato com o ar sem comprometer a qualidade sensorial e microbiológica da carne. Por isso, é necessários deixar descansar alguns minutos após abertura do pacote. No Brasil, não é comum maturar a carne por mais de 15 dias. Carnes a vácuo, se armazenadas em cerca de zero graus, podem ter vida útil de até 90 dias. Já em casa, mantida sob refrigeração, pode durar até 30 dias.
A SECO
Mais ousado que o vácuo é o dry-age. Método de maturação de carnes queridinho do chefs. Aqui a brincadeira é um pouco diferente. Controla-se a temperatura com rigidez, mas nada de embalagens. “Nos países nórdicos, onde a temperatura é baixa, esse é um processo que aconteceu naturalmente”, conta Julien, apreciador do dry-age. O chef Magnus Nilsson, do restaurante Faviken, na Suécia, já declarou que abate apenas um boi por ano e deixa envelhecer, conta Julien.
Faz sentido, já que a região de Nilsson é gélida. “Tudo que dry-age mais precisa é de temperatura baixa controlada, quanto mais baixa melhor, mas sem congelar”, aponta Julien. De zero a um grau constantes bastam para uma maturação que vai deixar a carne mais macia e saborosa com o tempo. “Nesse período ocorre uma reação enzimática que amacia as fibras da carne, mas − diferente do wet-age − ela também perde água e volume, concentrando sabor”, compara o chef francês radicado no Brasil.
Sabor. É aí que mora o segredo do tão aclamado dry-age. A peça maturada a seco chega a perder até ⅓ do peso perdido em umidade. Além disso, a carne maturada sem embalagem acaba criando uma casca natural grossa, escura e áspera. Essa crosta deve ser descartada, causando ainda mais perda.
No quesito tempo de envelhecimento, Julien explica que não existe uma proporção exata. “Quando você envelhece uma carne, a diferença entre a envelhecida por 30 dias não é três vezes melhor que uma envelhecida por apenas 10, mais não é mais nesse caso. O mais comum é 30 dias, mas não há regra.” Aliás, Julien alerta que dry-age não deve ser feito em casa. “É perigoso, porque na geladeira de casa não há um controle de temperatura. Em vez de maturar a carne, você pode apenas apodrecê-la”, alerta.
Mas há quem discorde. O escritor canadense Mark Schatzker, que viajou o mundo em busca do bife perfeito, acha que o dry-age é super valorizado. O autor do livro Steak (Ed. Penguin) afirma aos quatro cantos que a maturação, tanto a seca quanto a úmida, não é capaz de salvar um bife medíocre. Para ele, uma carne de qualidade começa bem antes do abate. Trata-se de uma combinação de raça, criação e alimentação do gado.
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